ANÁLISE HERTZBERGERIANA DE ESPAÇOS USO DA EA

 


    Antes de tudo, à legalidade do território: o DAzinho, assim como o DA, que por sua vez se assemelha à EAD, e que, por fim, está debaixo do guarda-chuva burocrático da UFMG, não discrimina o uso exclusivo do território aos alunos matriculados na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Teoricamente - e há de se atentar à ineficácia dessa teoria – as quatro esferas acadêmicas supracitadas, as quais se englobam representativamente de modo semelhante à aglutinação de bonecas matrioskas, são de domínio público e, por conseguinte, oferecem as mesmas concessões de apropriação espacial para todos os cidadãos da República. Ao se linearizar esse discurso para que a discussão não fique antidemocrática, obsoleta e elitista, tem-se, basicamente, que o prédio da Escola de Arquitetura é público, apesar de não ser tratado como tal. Há de se considerar como comunidade, para os fins posteriores de argumentação, a interseção do corpo discente, do corpo docente e dos funcionários que manifestam algum tipo de influência ou atividade sobre o cenário arquitetônico relativo à EAD.

    A priori, é interessante perceber como as relações de apropriação do DAzinho, bem como a falta delas, ocorrem no espaço. Longe de ser uma releitura literal em menor escala daquilo que é referido formalmente como o “Diretório Acadêmico” da Escola de Arquitetura, o DAzinho é uma sala imediatamente posterior à esquerda daquele que adentra o DA pela porta da frente. Estruturalmente, é um espaço de alguns poucos metros quadrados com uma janela relativamente simples que encara um pátio externo, mas são os elementos ulteriores à sua estrutura que impregnam essa sala com um tom de ambiguidade relativa às possibilidades de apropriação. É parte do senso comum dos alunos, factualmente, que essa pequena sala é de uso público do corpo discente da faculdade, no entanto, há uma discreta gama de elementos materiais nesse cômodo capaz de denunciar uma possibilidade de apropriação temporariamente privada. A materialização mais escrachada dessa polivalência é a cama. O simples fato de que exista, repousando graciosamente sobre o chão de taco, uma modesta, porém convidativa, desocupada e digna cama é argumento suficiente para que se subverta quaisquer ordens fixas de ocupação daquele espaço. É como se a presença dessa delegasse aos alunos a responsabilidade de administração do tempo que o DAzinho passa servindo a vontade de todos – exercendo função de depósito de bebidas para uma festa no DA, por exemplo – ou a vontade de um grupo ou individuo – exercendo função de sala de estudos ou local para se cochilar entre uma aula e outra. Os fatos seguem: no fim do dia, mesmo que subserviente a uma gama complexa de variedades de domínio, esse espaço permanece sendo percebido enquanto de uso comunitário dos alunos e, por consequência, é entendido como responsabilidade de todos os estudantes.

    Outro elemento bastante reminiscente das relações de ocupação do DAzinho, e quase que com certeza o seu ícone visual mais marcante, é a presença das artes nas paredes. Apesar de serem signos graficamente interessantes, as intervenções dos alunos nas verticalizações desse depósito ressignificado performam um papel para muito além da simples esfera plástica do lugar, a qual acaba por se tornar mais complexa por consequência da apropriação discente. As paredes, para além da função estrutural, permitem a comunicação íntima de ideias entre os alunos e a expressão de quaisquer ideologias por meio da arte ali incrustada pelos estudantes. A polivalência desse mural de concreto é reafirmada quando se percebem ali anúncios, recados e poemas estampados diretamente sobre a parede da saleta, intervenção essa que confere uma eficácia comunicativa bastante interessante entre os ocupantes do DAzinho. Esse tipo de ato, o qual é geralmente referido como depredação do patrimônio público, advoga a favor a apropriação do espaço pelo povo, o qual se torna o principal agente da materialização da consciência pública sobre direitos ocupacionais do espaço. Bem como as paredes, a disposição da decoração e a pintura e restauração dos móveis conferem à sala camadas extras de individualidade, as quais não deixam de se comunicar, nem sequer por um instante, com a coerência instaurada pelo conjunto completo.

    Entende-se, portanto, a existência do DAzinho como um provável motivo físico de exemplificação dos conceitos de polivalência e das diferentes possibilidades de apropriação de um espaço pelas esferas público e privada. A comunidade, a saber, os alunos da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, goza de diferentes interpretações sobre a ocupação desse quarto, fato que dinamiza muito mais as relações humanas que ali se formam ou se desenvolvem. O DAzinho, enfim, pode ser visto como um espaço que permite complexidade social entre os usuários ao mesmo tempo que delega a escolha do modo de uso a esses. É suficientemente deserto para permitir múltiplas interpretações do mesmo espaço e suficientemente lotado para sugerir possibilidades de apropriação do lugar pelos estudantes.

Comentários

Postagens mais visitadas